sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tejo Bar

As noites mágicas de Alfama escondem perigos e tesouros. Vielas gastas, largos esquecidos e ruas estreitas e compridas abraçam no seu coração um segredo bem guardado. Assim é o Tejo Bar, vila morena, refúgio de intimidade, cultura e boa música.
Nesta casa aquecida com a ternura e o calor dos seus e por entre mesas que se aventuram no xadrez, damas e mikado, envoltas suavemente num doce aroma a tabaco e a vinho, entre poemas e pinturas o espirito flui, a conversa sai...sôlta.
E eis que, sem aviso, uma cara tímida pega distraída na guitarra. Envergonhada, repara aflita que todos a olham em silêncio como que á espera de si. Não há volta a dar, com o sotaque próprio de quem o sente, silêncio que se vai cantar o fado. É mais uma noite no Tejo Bar !

Memórias...

Lembro-me, menino, de acordar naquelas manhãs escuras e frias como a noite na velha casa onde cresci...

Dizia-me numa voz serena, enquanto a luz invadia o quarto sem aviso:
- " Velha bruxa, é hora de levantar ! Vamos a saltar da cama para não haver atrasos." (Sempre teve o mau-hábito de tratar a familia, especialmente a nós os mais novos, com alcunhas e nomes mirabulantes, quase sempre com os géneros trocados o que a divirtia imensamente.)
Eu reagia a tudo isto com a revolta e o ódio de quem é mandado para a forca, personificados em grunhidos e expressões indecifráveis mas suficientemente expressivos. - "Já cá venho ver se a Gata está levantada ou não, vou tratar do pequeno-almoço." - dizia placidamente antes de desaparecer na porta fechada. Entretinha-me a ouvir os seus passos serenos a descer a escadaria, submerso em cobertores de lã, edredons e lençóis de flanela. Imóvel, ficava a dormitar dentro do meu refúgio, abrigado do frio de um dia que me exigia impiedosamente, até ouvir de novo os seus passos denunciadores escada acima. Aí, freneticamente e num pulo levantava-me da cama e, num espasmo, vestia a roupa fingindo estar acordado há já algum tempo.
- "Ah, a Gata já está vestida. Vamos a tomar o pequeno-almoço !" - dizia enquanto desaparecia de novo na escadaria. Eu concedia-lhe um :- "Vou já!" - sêco e curto, e num cinismo só ao alcance dos grandes, voltava a deitar-me completamente vestido num prazer culpado. Adormecia de novo, seguro, na dormência quente de quem volta ao ventre materno.
Acordava então sobressaltado ao ruído de um vigoroso bater de palmas que vinha lá de baixo e ouvia a sua voz agora mais rude e firme : - " Carroça do lixo ! Vem já para baixo ! Já estás atrasado para a escola..." - Saltava finalmente da cama num esforço hercúleo, e o meu corpo era a brasa ardente de uma fúria cega que me guiava escada abaixo.
- "Ah, decidiu descer a carroça do lixo. É sempre até á última... Lá vai a carroça do lixo..." - dizia num tom trocista. Eu levava aquilo a peito como uma ofensa mortal, blindava a cara com o desprezo de quem amua e com ares de herói cobardemente traído, passava á sua frente em silêncio e precipitava-me no corredor estreito e longo que desagua na cozinha. Tanto pior, era exacatamente esta minha reacção que procurava e enquanto me seguia pelo corredor adentro aproveitava para degustar o prato,divertida, rindo o riso próprio de quem olha de cima.
Já na cozinha, sentado num dos bancos de madeira em redor da grande mesa de pedra, esperava ansiosamente aquele verdadeiro manjar. - Recordo com água na boca, aquela papa Maizena ainda fumegante, servida no prato de sopa de louça branca, polvilhada com açúcar e canela. - Comia tudo aquilo ávidamente e com a humildade de um ditador, condicionante própria de ser criança e de achar que o mundo é feito para nós. Na hora de sair, afundava-me em casacos e recomendações, beijava-me a testa num abraço apertado e saindo para o páteo ficava a ver-me partir.
- " Mas vá para dentro que está um frio de rachar! " - gritava-lhe eu em vão enquanto abria o portão grande que dava para a estrada, e ao ver que debaixo do ridículo xaile de verão com que se cobria tinha ainda o pijama de algodão e as pantufas vestidas. Sem me responder e acenando com a mão ali ficava, no frio, a ver-me desaparecer ao longe na espessa neblina da noite.


(...Continuação...)
Impossível é ouvir minha própria voz
Nesses dias em que estou completamente surdo,
Todas as causas e todas as coisas
Caem no meu vão ser.

E elas gritam
Como se estivessem perdidas,
Pior, famintas
E com sede de viver.

Mas não lhe dou ouvidos,
Sequer os tenho,
Nesses dias sombrios,
Sequer há candeeiros.

E tento-as fazer calar
Tenho a minha própria pá,
Tento-as enterrar... em vão,
Daqui a dias hão todas de voltar.

Traz o tempo a chuva,
que ao cair na seca terra
faz levantar o perfume
e a vida que teu sorriso traz.

Tu, que amas o tempo
e amas os ventos,
não temes
a perversa faceta do momento

E quando das tuas lágrimas fazes flores,
eu a ti me entrego
minha mais profunda dor
esvai sob a luz das tuas cores.

Egresso da solidão austera
meu tempo dual contigo renasce.
No despertar vívido da aurora
minha alma já não mais chora.

Hoje, distante, relembro os tempos em que somente a brisa do mar a bater no meu rosto fazia com que minha alma a plenitude pudesse encontrar.

Relembro os dias primaveris de céu claro e ventos brandos.

Não me esqueço dos dias chuvosos em que a saudade não dava trégua e meu único refúgio era pensar em ti...

E sinto, como se aí estivesse, o frio frio do inverno, que tanto me fez tremer de solidão!

E ainda hoje vive em mim, aquela época em que o sol esquentava minha pele, e eu, quando sentado à beira da varanda, com as cortinas brancas a cortarem meus olhares para o eterno mar, bebia e cantava alegremente para esconder o sofrimento de saber que viver aquele momento era apenas mais uma obrigação para atenuar a minha dor de ser.

Cruzada Espiritual.
Já não me pertenço,
faço parte do mundo,
da dor do recomeço,
Sou o grito do mudo!

Sou as vozes não ouvidas,
sou as palavras vãs,
sou contas não resolvidas,
sou a casca da maça.

Há os casos e os descasos,
Eu sou penhasco.
Sou fim,
Não sou por acaso.
E cai a noite,
com ela caem as palavras,
com ela cai a razão...
Aurora que tarda.

E passam as almas,
errantes e assustadas.
Vagam enquanto jaz a luz,
fogem das próprias passadas.

Nesse Momento...

Nessa sala que ontem conhecias de cór e que agora estranhas e temes... espreitam esses movéis que contam mil histórias num desabafo sufocante, essas paredes altas e esguias que te confortam e aquecem, esses quadros que explodem num agoniante e surdo grito de quem perdeu o que não chegou a possuír...

E essa música embriagante que te possui e comanda, que te consome cada bolsa de razão... e que queima como brasas flamejantes... penetrantes.

Nesse momento em que a agoniante e amarga tristeza se funde com o quente e luminoso sorriso, alquimía colorida... explosão de sensações...! e o céu uma amálgama de côres e solidão.

Nesse momento em que a dôr é prazerosa, e o prazer...febril e penoso...

Nesse momento onde sofres e sangras, onde ris e cais...choras tudo aquilo que nunca foste e celebras tudo aquilo que és... Perdes...Sais...Encontras...Desabafas...Suspiras... Vôas !!

Nesse momento onde, saturado, soltas um grito agudo e profundo e , de longas e pesadas lágrimas nos olhos, descobres a côr interna, viva………... e sorris.

Abraças-te a ti mesmo...


Nesse momento,
esse momento...
és Tu !!

Explosão

NÃo vejo bem quem sou ...

Consigo julgar e analisar o carácter e a conduta de outros mas sou incapaz de penetrar no mistério de mim !

Perco-me na imensidão do meu ser, perco a Razão que me guia e me descobre lentamente e fico entregue ao instinto e ás sensações que tantas vezes confundem e no entanto
ensinam preciosas lições. Sei que o meu percurso é longo e árduo sem que lhe conheça o caminho, tendo no entanto a perfeita percepção dos obstáculos que o rodeiam. Não sei o que quero, como quero e quando o quero, mas o que realmente sei, e seio-o com todo o pulsar do meu ser, é o que seguramente nao quero !! Não me quero vender aos barões da falsa moral e aos seus métodos; não quero trocar honra por estatuto, justiça por previlégio e verdade por capital, não quero ser aprisionado nas malhas das redes de metal que arrastam cardumes sujos e conspurcados. Quero nadar em liberdade com a vontade e a exímia capacidade de Ser a meu lado, mesmo que isso signifique ter de evitar as ferozes e cruéis mandíbulas dos tubarões do pensamento ! Á luz trémula e quente que ilumina esta folha onde escrevo, juro, que jamais me submeterei á asfixiante escravidão mental que nos consome até caírmos inanimados, pôdres !

Passe o meu caminho pela gloriosa ascensão ao pico das montanhas coloridas e calorosas da realização pessoal, ou pelo contrário, seja a ingrata e pérfida descida até á escura e tenebrosa caverna subterrãnea onde a negra tristeza mora só, que me guie sempre a vontade sincera de viver e a sublime capacidade de pensamento autónomo !


Assim fala Zarathustra_

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Grito-Mudo

Ardente como brasas vivas,
lateja na sofreguidão de
um bafo.

Incisivo
Penetrante
Corrosivo
Constante.