segunda-feira, 30 de março de 2009

I

Toda a insensatez do mundo me faz rir
E do meu riso caem tantas lágrimas
Que já não sei se é riso isto que sai de mim.
Deve ser a angústia de ser no meio disto tudo...
A minha existência é um sorriso com lágrimas,
E algumas lágrimas permeadas por alguns sorrisos
Amarelos, assim, meio tristes...
Na verdade,
Talvez não haja verdade...
O que há agora sou eu,
E tu.
E nós!
E só, é tudo
E basta!
E se houver uma verdade
Quero uma verdade que seja virgem,
Intocada...
Calada!
Quero a verdade que nasceu comigo,
E que nasce todos os dias em que desperto...
E que vai morrer comigo...
E que morre todos os dias em que morro também.
Quero apenas o que eu perdi por ai
Tentando me encontrar
Aqui, aí, ali, acolá...
Em todo o lugar.

domingo, 29 de março de 2009

Nesta minha existência permeada por vazios,
Lacunas, hiatos, desfiladeiros, abismos,
Precipícios, bifurcações, trifurcações...
Vem mesmo a calhar a aurora,

Pois neste momento, quando olho e nada vejo,
Penso em esquecer,
Mas na verdade somente quero lembrar,
Eu quero ver!

E sinto que a Hora nunca é minha,
É sempre de outrem.
Vejo os dias passarem a além,
E sofro por não ter ninguém,

Alguém,
Que pudesse ouvir meu choro escondido,
E que me lembrasse estar eu ainda vivo.

Talvez seja este mesmo o meu destino,
Talvez seja isto que eu deveria ver,
E crer.

Mas sou humano demais,
Não consigo ver e crer ser meu fardo assim,
Tão pesado...
A solidão é um estado que me incomoda,
E eu já não sinto nada agora...

sábado, 28 de março de 2009

Diz-me Se Aprovas

Quando eu for alguém melhor
vais a tempo de me avisar
quando eu for digno de te ouvir
aproveita pra dizer
quais os passos que devo dar
se eu não for capaz de o ser
desiste

as minhas provas
que tu reprovas
são novas provas
que tu aprovas
todas as provas
que tu aprovas
calam as provas
que tu reprovas

são só ideias
e as suas teias
são só desejos
nas nossas veias
nossos receios
e suas sobras
são nossas provas
diz-me se aprovas

(Manel Cruz)

domingo, 22 de março de 2009

Bala Perdida











Eis-me aqui de novo...
Bato á porta do desespero...
Na hora negra,a desilusão e frustração alimentam-me... as forças fogem-me por entre os dedos dormentes, a espada cai, a batalha perde-se.
Forço-me á clausura de mim... um grito mudo, agudo e dilacerante, corta-me em mil pedaços, fragmentos estilhaçados, ensanguentados...
Sombra funesta, pássaro ferido,colhido... trespassado de lado a lado pela bala perdida entre a inocência do sonho e a acidez da rejeição.
Num vôo picado,descontrolado... a dureza da queda.
Aterro num tombo,sêco.
De volta á frieza segura do chão.

O Reino do Rei

Certa vez, em um distante Reino, em remotos tempos, uma conspiração fora tramada contra o Rei do Reino.

Num dia em que o calor era tão sufocante quanto é uma corda no pescoço de um condenado no dia do seu estrangulamento, dissera, dissimuladamente ao Monarca, em conversa particular, um de seus mais leais assessores, que a população do Reino encontrava-se incipientemente revoltosa por conta de seus (in) comuns mandos e desmandos e, que incandescido, este sofrido povo que assistia a todos estes desvarios de consciência real às claras vias, em plena luz do dia, não toleraria mais nenhum outro decreto lunático que afectasse o viver.

Afirmou, o até então leal lacaio, não informado por um não informante que, caso houvesse mais uma absurda ordem por parte de Vossa Realeza, toda a população boicotaria seus afazeres diários, levando assim o Reino à total ruptura.

O Rei, ao saber da maliciosa notícia, viveu em fúria aquele momento; ao avesso, com os olhos bem vermelhos e bastante esbugalhados, esbravejava loucamente, socava fortemente a grande e central mesa de carvalho e uivava de raiva, rogava pragas a tudo e ainda jurava de sangue todos seus inimigos. Babava ódio, e quase sem se notar, segurava com tamanha força o pescoço de seu até então leal servidor, que este ser, que naquela hora estava apenas semi-vivo, começava a parecer-se com uma típica beterraba roxa, oriunda do norte europeu.

O Rei do Reino, não admitia, melhor, não concebia a ideia de traição por parte dos seus, aqueles a quem ele dedicara toda uma vida de árduo labor monárquico, mesmo que por vezes lhe faltasse a tal lucidez de um grande monarca - sabia disso - mas para o Rei, essa traição era a maior traição que se podia receber! Era como a traição de um amor, era um desamor.

Dissera esta frase aos mais altos berros, do lado de fora de seus aposentos, na sua varanda real, para todos os que quisessem ouvir e para todos os que não quisessem...

O até então leal lacaio, naquele exacto momento regojizava-se, mesquinha e privadamente de sua vil astúcia, pois tinha feito o Rei do Reino crer absolutamente que seus súbditos o trairiam ao tempo de seu primeiro contestável decreto, levando assim o Reino ao caos.

(Continua)



quarta-feira, 18 de março de 2009

Preciso Me Encontrar...

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar…

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver…

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar…

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar…


(Cartola/Candeia)

terça-feira, 17 de março de 2009

Recomenda-se


UM POUCO DE MORTE

Género: Poesia
Autor: António Quadros Ferro
Edição: Lisboa, Fevereiro de 2009
Tiragem: 150 Exemplares
Paginação e Composição:Pedro Botelho
Capa: Fotografia de Jaime Azevedo Pereira (Açores, Setembro de 1958)
Impressão: RicSil - Artes Gráficas
Formato e acabamento:130x180 mm, Edição Brochada
Depósito Legal: 289541/09

umpoucodemorte@gmail.com


Um Pouco de Morte

O livro Um Pouco de Morte de António Quadros Ferro (Lisboa, 1983) está à venda em Lisboa nas livrarias Artes e Letras, Poesia Incompleta, Letra Livre e Trama e no Porto na Livraria Gato Vadio. Preço de capa: 9 euros

sábado, 14 de março de 2009

Sonhador

Começava a ficar escuro, já não se via o sol, era crepúsculo. Enquanto desabava toda aquela chuva, ele estava lá, à minha espera, sozinho em meio a um descampado, firme, convicto, resoluto. Não pestanejava com os clarões dos raios ou mesmo com os estrondos dos trovões... eu senti. Fui ao seu encontro, a cada passo que dava em sua direção, mais forte caia a chuva, mais perto caiam os raios e mais ensurdecedores eram os sons dos trovões. Somente senti pânico, estremeci por completo, e a cada trovoada quase que gritava de pavor, queria gritar, não conseguia, apenas tremia. O ambiente era amedrontrador. Os fortes clarões dos raios serviam apenas para ver melhor a extensão do meu medo, a olhar-me nos olhos. Ele sequer manifestava-se, sequer tentava, não precisava, estava claro. Estávamos frente a frente, olhei-o em seus olhos; fundos, sombrios...inanimados, não havia qualquer tipo de expressão em sua face, estava muda. Não lhe disse nada, não consegui...minha garganta estava tão seca que sentia dificuldade para engolir o que restava do meu orgulho...virei-lhe as costas e corri, corri como nunca, corri para sempre...e chorava, gritava, e corria mais. Sem saber para onde, sem saber o por que, naquele momento apenas corria, levava o tempo comigo. Acordei.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Coisas

Todas as coisas carregam um traço sutil,
O céu, um azul anil,
Eu, uma existência pueril...

O Tempo, sutilmente varre as coisas inúteis,
O Sol, aquece as úteis,
Eu, procuro-as, a ambas, sutilmente,
Humanamente.

Quando cai a chuva,
Apesar de austera,
Observo-a, e sinto nela uma certa ternura,
Singela,
Sincera.

E olho-me, procuro-me,
Vejo-me, sinto-me.
Mas não acho-te...
No caminho perco-me, acho-me
Olho-me...